Bachelier e os grafistas
Em 1900, portanto a mais de 100 anos atrás, um jovem matemático francês chamado Louis Bachelier escreveu uma tese de doutorado intitulada "Teoria da Especulação", na sua tese, após muitas observações, Bachelier explorava a ideia da aleatoriedade no mercado de ações. Para respaldar sua teoria o jovem matemático comparou o movimento do preço das ações ao movimento Browniano, movimento aleatório descoberto em 1827 pelo botânico inglês Roberto Brown ao observar a confusa movimentação das partículas de pólen com um microscópio de alta precisão para a época.
Bachelier escreveu uma tese sobre a aleatoriedade dos movimentos brownianos, com mais rigor matemático e 5 anos antes do gênio Einstein aplicar o mesmo conceito a movimentação de partículas. Apesar de ter sido aceita em uma publicação científica de prestígio para época, a tese não teve muito impacto de imediato. Somente quase meio século depois ela foi "redescoberta" por matemáticos de peso dando origem a teoria do passeio aleatório ou random walk, base dos conceitos modernos de finanças e ponto de origem de diversos prêmios nobel da economia.
Sabemos, portanto, a mais de 100 anos que o movimento do preço das ações é aleatório, muitos cientistas modelaram esses movimentos, enquadrando-os dentro da Curva de Gauss (curva normal), calculando suas probabilidades dentro das condições normais, muitos economistas fizeram fortuna em Wall Street conseguindo através de técnicas matemáticas complexas entender a lógica dentro do caos, o grande problema no entanto, está em não conseguir modelar o comportamento dos preços em situações atípicas, em que os ativos sobem ou caem muito rapidamente, situação classificada pelos estatísticos como fora do normal, ou outlier, nessas horas grande parte do patrimônio dos fundos geridos pela teoria das finanças modernas escorre pelo ralo.
O que me intriga, no entanto, é a rejeição sem motivos de pessoas de boa formação ao conhecimento científico. Quando vou ao médico não costumo discutir sobre a eficácia de medicamentos ou tratamentos de saúde, porque sei que tudo aquilo passou por um método científico. Muitas crendices populares, não passaram pelo crivo da ciência, enquanto outras originaram medicamentos de alta eficácia. Outro dia conversei com um médico que havia feito um curso de análise técnica de fim de semana, e que estava operando uma alta soma de recursos via homebroker utilizando o grafismo, tentei explicar para ele que aquilo não era saudável, nem científico, mas como muitos, cego pela possibilidade de obter altos lucros com pouco esforço ele não quis saber das teorias dos economistas, poucos meses depois encontrei com ele e perguntei como andava os investimentos, como vários que conheci, ele disse que havia perdido uma boa grana e que não colocaria mais seu dinheiro em ações, estava investindo em imóveis que além de seguros estavam se revelando rentáveis.
Existe um grande mercado para a análise técnica, o uso do grafismo por parte dos leigos, gera milhões de reais por semana para as corretoras, os agentes autônomos de investimento são profissionais que praticamente vivem de corretagem de ações*, vale lembrar que os cursos de análise técnica também são um mercado considerável, alguns "professores" (entre aspas por não ter formação para tal) chegam a ter quase 1000 alunos simultâneos em turmas online, muitos vivem do mito de ter enriquecido e ficado empobrecido na bolsa (para justificar a ausência de patrimônio), para completar os argumentos pró-cursos, dizem que faltava uma pedrinha no conhecimento, descobriram, e estão enriquecendo, ao mesmo tempo que vendendo essa pedrinha por um preço módico através de cursos.
Como professor independente, sei quanto dinheiro um curso pode gerar, um curso de sucesso mediano pode gerar receitas de R$ 30 mil reais por mês em turmas tradicionais, enquanto profissionais de ponta, que ministram cursos online "turbinados" pelo marketing das corretoras podem gerar receitas que ultrapassam R$ 200 mil reais, assim é fácil enriquecer! Costumo dizer que se um grafista está enriquecendo é porque está ministrando muitos cursos e não porque sua técnica está dando certo. Se realmente eles ganhassem um percentual certo ao dia (ex. 1%), tal como argumentam, em pouco tempo o efeito bola de neve dos juros compostos geraria ganhos diários milionários, o que não é verdade. Muitos escondem a receita dos cursos, quando questiono o porquê de dar aulas ao invés de operar com sua técnica infalível, os profissionais respondem que é por amor a sala de aula...
Um outro ponto positivo de ter uma legião de seguidores de suas técnicas é traduzido pelo que os economistas chamam de profecia auto-realizável, ao término dos cursos os professores grafistas arregimentam milhares de seguidores, o próximo passo é escolher uma ação pouco líquida, comprar, traçar a técnica em cima dela, fazer um relatório afirmando que é uma oportunidade única de compra, disparar os e-mails, esperar os seguidores comprar, o preço aumentar, e ... vender. Os cursos podem até ajudar a técnica a engrenar.
Em um país em que diversos presidentes possuem astrólogos particulares (astrologia não é ciência, não confundir com astronomia), não é surpresa que parte da massa de elite acredite em pseudo-teorias. Os motivos são diversos, desconhecimento de finanças, poder de convencimento do palestrante, endosso de uma pessoa de confiança, etc. No entanto, o pano de fundo para tudo isso é a ambição natural do ser humano de ganhar dinheiro fácil, no dia que as pessoas daqui entenderem que não existe almoço grátis, talvez nosso mercado amadureça, fazendo emergir os verdadeiros valores científicos, por enquanto nosso mercado de varejo continua dominado por "curandeiros" charlatões.
* Texto de 2012, hoje (2017) a realidade dos AAI é bem diferente, trabalham de forma muito mais responsável do que na época em que esse post foi escrito.
Comentários
saudações. otimo blog
Abraço.